Há alguns dias eu estava com um amigo na livraria de um shopping center, em busca de um presente para um outro amigo. Loja cheia, com mezaninos cheios e com a cafeteria igualmente lotada, coisa que definitivamente não é empecilho para dois alucinados por café. Escolhemos nossos livros, nos dirigimos até o balcão, fizemos nosso pedido e, enquanto esperávamos, Juliano avistou uma mesa com três lugares ocupada por apenas uma pessoa.
- Com licença. Você se importa de dividir a mesa com a gente?
O rapaz olhou para a cara do meu amigo um tanto surpreso, não sei se pela naturalidade com que a pergunta havia sido feita ou se por ser uma vítima estreante naquele tipo de approach – afinal, basta olhar para o lado onde quer que se esteja para notar uma infinidade de “solitários por força do hábito”: no cinema, nos restaurantes, lanchonetes, ônibus, bancos de praça... o fato é que, refeito da surpresa, o tal rapaz concordou em dividir conosco sua mesa-para-três-ocupada-por-um.
O rapaz olhou para a cara do meu amigo um tanto surpreso, não sei se pela naturalidade com que a pergunta havia sido feita ou se por ser uma vítima estreante naquele tipo de approach – afinal, basta olhar para o lado onde quer que se esteja para notar uma infinidade de “solitários por força do hábito”: no cinema, nos restaurantes, lanchonetes, ônibus, bancos de praça... o fato é que, refeito da surpresa, o tal rapaz concordou em dividir conosco sua mesa-para-três-ocupada-por-um.
Confesso que me sinto pouco à vontade de me sentar com desconhecidos, e costumo resolver esse pequeno problema da forma mais simples possível. Apresentando-me. Foi exatamente o que fiz.
- Muito prazer, Flávia. E este é Juliano – e ambos, meu amigo e eu, estendemos a mão com um sorriso. O rapaz retribuiu na mesma moeda e, como há poucas coisas no mundo que um sorriso genuinamente simpático não resolva, em poucos minutos a conversa fluía como se fôssemos três velhos conhecidos. Entre goles de café, biscoitinhos amanteigados, gargalhadas, dicas gastronômicas, impressões sobre viagens e afins, 50 minutos se passaram num piscar de olhos. Nos despedimos de Elias – esse era o nome do moço – com abraços e satisfeitos por tê-lo conhecido, ainda que de forma tão inusitada.
- Cara bacana, né?
- É.
- Será que a gente ainda se vê?
- Não sei, quem sabe... o mundo é pequeno, né?
- É... – e, de braços dados, também deixamos a livraria, com a sensação de que levávamos conosco muito mais do que livros na sacola e um bom café no paladar.
E o que teima em não me sair da mente desde então é a expressão de surpresa no rosto do Elias, quando nos convidamos para dividir com ele sua mesa-para-três-ocupada-por-um. E me causa um certo desconforto, uma estranheza triste e reflexiva, a conclusão de que somos todos “Elias” em graus variáveis de solidão por opção. Talvez a correria do cotidiano tenha feito germinar nas pessoas um instinto subliminar de autopreservação diante da alucinada existência contemporânea, e isso tenha nos afastado uns dos outros a ponto de nos transformar em ilhas cercadas de ilhas por todos os lados. E nos esbarramos sem nos tocar, e nos olhamos de soslaio sem nos enxergar, e nos falamos sem nos dizer coisa alguma.
E assim, sem perceber, nos distanciamos de nossa essência gregária, e convivemos pacificamente com a ausência do outro, sem atentar para o fato de que essa é também uma espécie de “auto-ausência” – pois, ainda que neguemos consciente ou inconscientemente, carregamos conosco, ao longo da vida, a necessidade atávica de compartilhar, de dividir. A questão do espaço é relativa e, de certa forma, insignificante: há quem viva sua “vida-para-vários-ocupada-por-um” até mesmo no ambiente familiar.
Quem sabe um dia eu reencontre o nosso Elias em uma dessas esquinas da cidade – ou no cinema, ou num restaurante, ou num banco de praça, ou quem sabe naquela mesma livraria. Se o mundo é mesmo pequeno como dizem, não duvido que tornemos a dividir uma mesa e alguns bons minutos de nossas vidas. Enquanto isso, continuo acreditando que todo e qualquer lugar vazio é candidato em potencial para ser preenchido. E, igualmente, continuo acreditando que vale a pena preencher os meus – e os dos eventuais “Elias” que aceitarem dividir comigo suas tantas “coisas-para-muitos-ocupadas-por-um”.
- Muito prazer, Flávia. E este é Juliano – e ambos, meu amigo e eu, estendemos a mão com um sorriso. O rapaz retribuiu na mesma moeda e, como há poucas coisas no mundo que um sorriso genuinamente simpático não resolva, em poucos minutos a conversa fluía como se fôssemos três velhos conhecidos. Entre goles de café, biscoitinhos amanteigados, gargalhadas, dicas gastronômicas, impressões sobre viagens e afins, 50 minutos se passaram num piscar de olhos. Nos despedimos de Elias – esse era o nome do moço – com abraços e satisfeitos por tê-lo conhecido, ainda que de forma tão inusitada.
- Cara bacana, né?
- É.
- Será que a gente ainda se vê?
- Não sei, quem sabe... o mundo é pequeno, né?
- É... – e, de braços dados, também deixamos a livraria, com a sensação de que levávamos conosco muito mais do que livros na sacola e um bom café no paladar.
E o que teima em não me sair da mente desde então é a expressão de surpresa no rosto do Elias, quando nos convidamos para dividir com ele sua mesa-para-três-ocupada-por-um. E me causa um certo desconforto, uma estranheza triste e reflexiva, a conclusão de que somos todos “Elias” em graus variáveis de solidão por opção. Talvez a correria do cotidiano tenha feito germinar nas pessoas um instinto subliminar de autopreservação diante da alucinada existência contemporânea, e isso tenha nos afastado uns dos outros a ponto de nos transformar em ilhas cercadas de ilhas por todos os lados. E nos esbarramos sem nos tocar, e nos olhamos de soslaio sem nos enxergar, e nos falamos sem nos dizer coisa alguma.
E assim, sem perceber, nos distanciamos de nossa essência gregária, e convivemos pacificamente com a ausência do outro, sem atentar para o fato de que essa é também uma espécie de “auto-ausência” – pois, ainda que neguemos consciente ou inconscientemente, carregamos conosco, ao longo da vida, a necessidade atávica de compartilhar, de dividir. A questão do espaço é relativa e, de certa forma, insignificante: há quem viva sua “vida-para-vários-ocupada-por-um” até mesmo no ambiente familiar.
Quem sabe um dia eu reencontre o nosso Elias em uma dessas esquinas da cidade – ou no cinema, ou num restaurante, ou num banco de praça, ou quem sabe naquela mesma livraria. Se o mundo é mesmo pequeno como dizem, não duvido que tornemos a dividir uma mesa e alguns bons minutos de nossas vidas. Enquanto isso, continuo acreditando que todo e qualquer lugar vazio é candidato em potencial para ser preenchido. E, igualmente, continuo acreditando que vale a pena preencher os meus – e os dos eventuais “Elias” que aceitarem dividir comigo suas tantas “coisas-para-muitos-ocupadas-por-um”.